Seja marginal ! Seja herói !

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Heresia, não! A maioria pode discordar integralmente do que vou dizer, mas o período mais fértil e representativo da arte brasileira foram os anos 70 (e final dos anos 60). Colocar a arte como questão é fundamental para seu desenvolvimento como forma e conteúdo, conceito e adequação a época. Não podemos deixar mencionar a tão cultuada Semana de 22, o marco inicial do surgimento da arte brasileira, a ruptura com o academismo e as escolas de belas artes. Tarsila, Brecheret, Oswald de Andrade; pinceladas, monumentos, poesia. Os modernistas deram o primeiro passo para que a arte se desenvolvesse no Brasil, a semente inicial na terra do sol; o nacionalismo, nossas cores, nossos hábitos, nossa cultura. O rompimento com o academismo foi fundamental para o parto de nossa arte, mas esse que é o período mais sublime da arte brasileira não foi tão original assim! Rompemos com um modelo para seguir outro!

Nada se cria tudo se copia, o jargão pode ser relevado, mas não podemos clamar por uma arte exclusivamente brasileira se seguíamos claramente as tendências européias. De Cubismo a Expressionismo, de Lasar a Anita, nossos mais importantes artistas foram estudar na Europa e não há como negar que voltaram com referências. Isso implica dizer que o Modernismo brasileiro, não foi uma manifestação da arte exclusivamente nacional, mas sim a adequação das novas tendências européias.

Apontar os anos 70 como o período mais fértil da arte brasileira implica observar seu amadurecimento. Não que deixamos de copiar tendências mundiais para sermos exclusivos, longe disso, embora, Lygia Clark e Hélio Oiticica revolucionassem na questão da obra como elemento sagrado. Se Duchamp ironizava a instituição museu, mais além, nossos artistas exploravam a interatividade, incitavam a participação do público, pioneiros da verdadeira integração arte-espectador. Se pudermos exigir pioneirismo, não podemos deixar de perceber também, que ainda assim, a arte como conceito não nasceu dos verdes louros dessa terra.

Comparar arte de 22 com dos anos 70 é uma tarefa complexa, não só no contexto histórico-político, mas também na questão “aesthetic”, filosófica e artística. Muitas são as semelhanças, poucas são as divergências. Assim como 22, artistas, musicistas e literários cada um em sua especialidade reuniram-se para fazer arte, não a do rompimento, não a do nacionalismo, mas tão patriota quanto; juntaram-se para dizer sim a liberdade, sim a livre expressão, driblar a censura. Não apuraram nossas cores. Não retrataram o mulato. Esqueceram nossa natureza. Mas sim, como ninguém, abordaram nossa realidade, daqui, única e exclusiva. Se contemplarmos em 22 uma arte revolucionária, devemos ponderar também o fato de que a maioria da elite intelectual brasileira, representada na figura de Tarsila do Amaral, era aristocrata, nunca desafiara o sistema a qual pertencia. Retrataram a pobreza, sim! Nossos negros, sim! Mas a intenção nunca foi de mudança e sim observação para uma arte nacional, o exótico, que rompesse com o padrão de beleza estético personificado no “Belo”, que despertasse o olhar curioso do europeu.

Arte rebelde, arte corajosa, que pela primeira vez desafiou o regime teve início no outro período, por isso, além de mais madura, considero a produção artística dos anos 70 mais importante e significativa. Não podemos julgar nem desmerecer os artistas anteriores, mas é verdade que o espaço e o tempo refletem profundamente na consciência e na produção desses artistas. A arte passa a ser apenas o reflexo de um tempo, o retrato de um espaço, e naquele tempo a constatação da mudança, a afirmação da nossa realidade, de nossos problemas.

Renegar o Estado! Discutir a Arte! Duas correntes expressas em um mesmo período. As bandeiras de Nelson Leirner (Bandeiras), a fome de Carlos Vergara (Arroz e Feijão), o registro de Letícia Parente (Marca Registrada), Ivens Machado e seu consolo (Consolador), Paulo Herkenhoff e sua papinha (Baby Food) e claro, Cildo Meireles (Inserções em Circuitos Ideológicos) “Quem matou Herzog?”, “Yankes! Go to Home”, são exemplos da arte heróica, marginal. Uma arte que não se calou na censura, voz ativa, desafiou a representação política, pediu por paz, berrou por liberdade, mas vociferou na guerra. Exilados e marginais, mas antes de tudo artistas!

Na outra corrente, a arte como questão, seu conceito, a verdadeira integração arte público, Júlio Plaza e Regina Silveira através da técnica, discutindo a teoria (Técnicas de Papel), os sabores e aromas de Lygia Pape (Roda dos Prazeres), Walterico Calda na ponta dos sapatos (A emoção estética) e o consultório de emoções da arte terapia de Lygia Clark (Consultórios), destaque pela interação máxima do público, da exploração de sentidos e da arte como prática. A desmistificação da arte sagrada, intocável, apreciável. A livre-expressão da arte como objeto da vida, como parte do cotidiano. Arte do homem, a fusão essencial da arte com o espectador, interação ímpar entre o ser e o conceito.

“Anos 70: a arte como questão” destaque no Instituto Tomie Ohtake, ilumina e reconhece um dos períodos mais importantes e significativos da arte brasileira. Arte ativismo! Arte terapia! Seja marginal! Seja herói!